A canção de Mahamudra (comentada)

naropa

Mahamudra está para além das palavras e símbolos,

não é possível falar, nem mostrar o caminho para – que é o próprio – Reino infinito: “Mahamudra” – pois qualquer som ou imagem é limitada.

mas para ti, Naropa, sério e leal,

Naropa foi discípulo de Tilopa, do qual recebeu esse ensinamento em forma de canção…

isto deve ser dito:

O Vácuo não precisa de confiança,

Deus é vácuo – invisível, imaterial, atemporal, infinito – que não precisa de confiança pois tal atributo se deriva da mente – que nada tem a ver com Deus. Os cientistas desde sempre desconfiaram do não-ser – porém, isso foi tratado como uma contradição lógica, não podendo existir – ao menos nas limitações de tempo-espaço, criadas pela mente.

Mahamudra repousa sobre nada.

O nada absoluto é todo Deus, que não se importa de ser tanto o tudo quanto o nada – quem se importa de ser “nada” é o ego, que sempre tem que ser algo ou alguma coisa – daí deriva nomes para tudo, classificações, hierarquias, divisões.

Sem fazer esforço,

“esforçar-se” é dar mais um giro na roda do samsara – ignorância do verdadeiro eu, fenômeno – então ela continua indefinidamente porque sua energia está lá.

mas permanecendo desprendido e natural,

o caminho espiritual não exige sofrimentos nem lutas – quando um pensamento ou acontecimento não condizente com a Consciência “parecer” surgir, o que se faz é não dar atenção, nem resistir – quando resiste-se a “algo” ou “alguém”, está-se dando existência real a este “algo” – tudo o que ele precisa é do seu reconhecimento para “parecer” bem real. . .

é possível quebrar o jugo,

parar de lutar, é ver que não há ninguém do outro lado – o adversário, que é você mesmo, fantasiado do “outro”

ganhando, assim, a Libertação.

a Visão Consciencial.

Se alguém nada vê quando contempla o espaço,

se com a mente alguém observa a mente,

a mente só vê a si mesma, pois se projeta e tenta convencer o Ser que é real.Por isso que com a mente só se observa a mente, e com o Ser só se observa o Ser.

esse alguém destrói distinções

O Ser Real – esse alguém que está lendo – que desvela o véu de Maya, a ilusão

e alcança o estado de Buddha.

descobre que sempre foi o que já É, o estado de Ananda – eterna bem-aventurança

As nuvens que vagueiam pelo céu

não têm raízes, nem lar,

também assim são os pensamentos distintivos

vagando através da mente.

As nuvens representam os pensamentos – vieram do nada e ao nada voltarão. Mas quando passam no Céu, que representa a Mente divina – imutável, sempre presente – chamam atenção, parecem reais e por vezes não deixam ver a Verdade. Porém, sempre passam e resta o que É.

Desde que a mente-eu é vista,

cessa a discriminação.

Observar a “atividade” da mente, estar consciente do vaivém “desliga” o inútil movimento, trazendo a paz – paz é o estado de não-pensamento.

Formas e cores formam-se no espaço,

mas o espaço não é tingido nem pelo branco, nem pelo preto.

todas as “formas” e “cores” partem do centro, mas o centro não tem forma nem cor, pois está além da dimensão espaço.

Da mente-eu todas as coisas emergem,

e a Mente não é manchada nem por virtude, nem por vícios.

Fala-se aqui da Mente de Deus, a Origem e Fonte, que se estende através de Seu Filho e Suas Criações – mas apesar disso, Imutável para sempre – por isso em muitas religiões se cita o Imaculado, Cordeiro de Deus, sem pecados, Puríssimo e outros. . .

As trevas dos tempos

não podem amortalhar o sol fulgente;

Mais uma afirmação da primazia da Lei de Deus em relação às leis do tempo e espaço, que mudam. Se é mutável, não vem de Deus, é sem existência.

os longos kalpas do samsara

jamais podem esconder a luz brilhante da Mente.

Kalpa é uma palavra em Sânscrito (कल्प kalpa) que designa um aeon ou éon, ou um longo período de tempo na Cosmologia Hindu e na Cosmologia Budista. A definição de kalpa é equivalente a cerca de 4.32 bilhões de anos. O samsara é muitas vezes representado como uma cobra mordendo o próprio rabo – demonstra a insensatez de buscar “metas” do mundo, uma vez que no final se voltará ao mesmo ponto de partida – mesmo que se leve “kalpas” para compreender isto.

Embora palavras sejam ditas para explicar o Vácuo,

o Vácuo, tal como é, jamais pode ser explicado.

Embora digamos que a Mente é uma luz brilhante,

ela está para além de todas as palavras e símbolos.

Os momentos de alcance da “Iluminação” dos personagens despertos são sempre muito interessantes: por mais que tentem descrever o que sentem, tudo o que conseguem registrar é algo como “êxtase sem fim”, “plenitude”, entre outros – qualquer descrição limita esse estado de Supraconsciência.

Embora a Mente seja vazia em sua essência,

contém e abarca todas as coisas.

todas as idéias de “coisas” estão contidas no nada, que é potência infinita e em expansão – “pode-se” tudo criar, pois a Criação é a ação ininterrupta de Deus, em perfeita similitude com o Filho.

Nada faças com o corpo, mas relaxa;

fecha com firmeza a boca e permanece silente;

esvazia a mente e em nada penses.

Perfeita orientação! Aquietar-se – eis a principal tarefa do Filho – já que quanto mais se movimenta na direção de pensamentos “próprios”, mais se geram ilusões e se sofre com elas como se reais fossem. . .

Como um bambu oco, repousa bem teu corpo.

Tornar-se um bambu oco é “abrir espaço” – a vacuidade – para então deixar-se preencher com o divino, se tornar instrumento dA Vontade

Sem dar nem tomar, repousa tua mente.

Com a mente em repouso, surge A Presença

Mahamudra é como a mente que a nada se prende.

Pensamentos têm ganchinhos que “puxam” um atrás do outro como correntes, até tornar o “pensador” prisioneiro da mente. Observar vir e deixar ir desde o primeiro pensamento é não alimentar a corrente, tornando-se livre. O Bhagavad Gita também descreve a mente livre como aquela que não exige os frutos da ação, mas age sem apego a resultados – a mente que a nada se prende.

Assim praticando alcançarás, em tempo, o estado de Buddha.

O estado natural, do eterno Agora, do que já É

A prática do do mantra e do paramita,

a instrução em sutras e preceitos,

o ensino das escolas e das escrituras,

não levarão à percepção da Verdade Inata.

Muitos são os sábios que preenchem todo o seu tempo com práticas e estudos sobre A Verdade, mas que avançam muito pouco na senda espiritual, justamente porque não estão abandonando a mente, mas apenas entretendo-a.

Porque, se a mente, quando tomada por algum desejo,

procura encontrar um objetivo,

apenas oculta a Luz.

Chega a ser quase irresistível “buscar” a iluminação; porém, quando se fixa uma meta, a mente se torna útil, e fica ainda mais difícil abandoná-la. Então ela traça estratégias, planos e caminhos para perseguir um objetivo que nunca irá alcançar: é como o óleo querendo se misturar à àgua. E o que mais a mente desejaria do que uma meta inalcançável, que só fará com que ela permaneça “camuflada” como algo indispensável por muito tempo?

Aquele que observa os preceitos tântricos, ainda discrimina,

trai o espírito de samaya.

Aqui são citados aqueles “preceitos tântricos” que no Budismo são conhecidos como “pequeno veículo”: leis da mente, leis do universo, lei da evolução, do caminho árduo e e longínquo, etc. São ensinamentos que introduzem conceitos em um primeiro momento, mas que logo devem ser abandonados sob pena de nunca se concluir a “travessia”. Já “discriminar” é ainda dar valor aos pensamentos, separá-los, catalogá-los, eis que um escapou ali, corre para buscá-lo, defini-lo, e, e. . .

Cessa toda atividade, abandona todos os desejos,

deixa que os pensamentos subam e desçam,

coisa que eles farão, como ondas no oceano.

Uma perfeita analogia dos pensamentos como ondas do oceano: vão vir, vão subir e vão descer – tudo o que se deve fazer é entender sua verdadeira natureza: são impessoais, fazem parte da mente coletiva (oceano), por isso nada têm a ver com seu verdadeiro Ser. Apenas “observe-os” se aquietar até que sumam: isso é “estar no mundo, mas não ser do mundo.”

Aquele que nunca prejudica o não-perdurável,

Tilopa traz aqui um conceito muito sutil: o não-perdurável é como uma efêmera flor, ou qualquer coisa/situação/relacionamento que aconteça na vida: está ali para apreciação, interação e total desfrute, e nunca para ser prejudicado. Prejudicar é se apegar, querer para si, tirar a liberdade do que É e perder a própria junto.

nem o princípio da não-distinção,

defende os preceitos tântricos.

Agora sim são citados aqueles “preceitos tântricos” que no Budismo são conhecidos como “grande veículo”: A Lei de Deus, A Verdade Vertical, O Núcleo, O princípio e o fim: é o ensinamento final. Neste estado se compreende plenamente que não há o que se evoluir, o que se combater ou o que se “tornar”, pois Deus é a substância última de tudo o que se percebe como real. Esse estado de União completa com o Pai é chamado de Nirvana e Despertar, para os budistas; Céu ou Reino de Deus, para os cristãos; Jissô, para a Seicho-No-Ie; Ascensão, para os magos, e outros.

Continua. . .

5 thoughts on “A canção de Mahamudra (comentada)

  1. Lindo texto!
    Maravilhoso comentário!
    Tudo isto expressa Quem Eu Sou!
    Quem escreveu este texto Sou Eu…
    Os comentários são de Quem Sou…
    Por favor, continue!…

  2. Gostei bastante do que li aqui e faço das palavras do Silvano as minhas palavras.
    A impressão que tenho é que muitas pessoas acessam o blog e, mesmo que elas não comentem, com certeza ficam esperando pela continuação.
    Aliás, acho que ficou faltando os créditos que são: “Através de Tilopa” + “Através de…?”, rsss
    Não vale deixar em branco!

    Namastê!!

    • Paulo, não tem continuação. A canção continua e, se você quiser produzir a continuação comentada dos versos, fique à vontade e nos envie! Ficaremos felizes de publicar. O Nucleo se expressa em todos os Filhos de Deus, basta apenas permitir…

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